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Resumos

 

 

Mesa 1 - “Home is where we start from

 

Home is where one starts from. As we grow older
The world becomes stranger, the pattern more complicated,
Of dead and living. Not the intense moment,
Isolated, with no before and after,
But a lifetime burning in every moment

A casa é de onde se começa. À medida que envelhecemos
O mundo fica mais estranho, o padrão mais complicado
De mortos e vivos. Não o momento intenso
Isolado, sem antes nem depois,
Mas uma vida inteira a arder em cada momento
                                                                        T. S. Eliot

                                                                        East Coker

 

O Colóquio começou por uma mesa em que se procurou iniciar um diálogo, que mais justamente poderia ser descrito como "uma conversa entre colegas", pelo tom informal e interactivo que assumiu e que permitiu, desde logo, uma ligação com a audiência. Partindo das palavras do poeta T. S. Eliot, procurou-se reflectir sobre o papel e lugar da família na génese da vida psíquica de cada indivíduo e com este propósito, perceber, igualmente, quais as mudanças familiares recentes e que impacto estas poderão ter. A Ana Catarina Duarte Silva foi a moderadora da conversa, lançando ora perguntas, ora provocações, mantendo viva a discussão entre os participantes da mesa: Maria José Gonçalves, Celeste Malpique e Rui Aragão e, os membros da plateia. 

A conversa percorreu diversos temas, que foram desde a importância do casal enquanto gerador de um filho e de vínculos familiares, a importância dos vínculos e interacções precoces, da família vivida para a família interna, o lugar do materno e do paterno, o Édipo e o seu valor estruturante do psiquismo, o amor na família, o desamor e os aspectos destrutivos das famílias. 

Os participantes da mesa procuraram reflectir sobre a sua própria experiência psicanalítica, mas também estabelecendo uma ligação com a investigação, o que resultou num interessante diálogo entre a Psicanálise e os estudos da vinculação ou do desenvolvimento precoce, bem como com a psicopatologia da criança, adolescente e adulto. Deste modo, foi uma mesa que lançou as bases para as interacções que viriam a fazer parte do colóquio. Foi assim como uma espécie de teaser, usando a linguagem da publicidade; de aperitivo; de abstract do que seria o colóquio.

 

 

Mesa 2 - Família e Educação

 

As famílias de hoje são diferentes das famílias de há cinquenta anos atrás. Portanto os problemas que se colocam hoje são diferentes e é necessário encontrar novas soluções para novos problemas.

 

Falamos de família em mudança, mas há um aspecto que permanece inalterável, é que a família e casa constituem um meio e um local determinante no processo e no sucesso educativo.

 

            Eduardo Marçal Grilo - “As Novas Gerações, a Educação e a Família

Entre muitos aspectos da sua notável comunicação na qual salientou a importância dos pais e da família na educação das crianças, Marçal Grilo falou-nos de algo muito básico e concreto, da necessidade dos pais serem respeitados na sua autoridade e no seu papel parental.

Apresentou-nos, a partir de um conjunto de 10 regras básicas para crianças que frequentam o jardim de infância All I Really Need To Know I Learned In Kindergarten, um código de Ética notável, destacando desta forma o papel positivo destas instituições nas aprendizagens precoces.

Acrescentou ainda, que o que se aprende e onde se aprende, depende essencialmente de 3 áreas fundamentais: conhecimentos básicos, comportamentos e atitudes e por último, valores da família e da escola, em que estes têm de assentar num funcionamento de liberdade, respeito, tolerância e saber ser e saber estar, quer consigo quer com os outros. Apesar do grande desfazamento de gerações, é preciso haver senso, entrando aqui a questão da exigência, em que para esta vingar, é necessária ser transmitida por e através do amor e do afecto.

 

            Miguel Real - “Nova Família / Nova Educação

Miguel Real falou-nos das alterações sociais dos alunos que frequentam o ensino secundário e também das profundas e constantes alterações dos programas do ensino secundário e de como estes aspectos dificultam a actividade docente, no sentido de encontrar uma linha de orientação, pois tudo muda e não sabemos para onde! Este desconhecimento do caminho quer pela Família quer pela Escola, obriga-nos a uma atitude de humildade, não devendo por isso deixarmo-nos levar por dois tipos de tentações: a de que a nossa escola é que foi boa e a de não termos a tentação de tudo saber. Reflectiu ainda sobre o lugar da família, em que esta deixou de ser o centro da sexualidade e do prazer, para dar vez à noção de família como o lugar de socialização da criança, do lugar do amor, dos afectos. No entanto pensa que a família está a ser claustrofobizada, uma vez que as figuras parentais estão a ser sombreadas pelos engenhos informáticos, perdendo estas figuras a sua voz face a estes engenhos que a calam.

Por fim, acrescenta, que as novas ou diferentes constelações familiares levam a que nos encontremos no centro de um terramoto cujas ondas de choque não sabemos aonde vão parar. Torna-se então necessário uma nova Escola que acompanhe estas ondas e, acrescenta que determinante é o meio pelo qual se traduz o saber, em que a EXCELÊNCIA deve ser premiada conjuntamente com a defesa da PERMANÊNCIA dos valores clássicos.

 

            Teresa Casanova Sá - “Escutando o que permanece: Instâncias, funções parentais e inscrições psíquicas na infância

Depois de uma articulação muito pertinente das duas comunicações anteriores, o que por si já daria uma comunicação (pois parte da ideia de que o futuro é já hoje mas um pouco mais tarde e que estamos perante um desafio de reapropriação do tempo que vivemos e de pensar o futuro que queremos), Teresa Casanova Sá presenteou-nos com a sua comunicação. Nesta, questiona se no mundo em mudança, mudaram assim tanto as necessidades das crianças e as respostas de que elas necessita, afirmando que a família, o seu papel educativo, não só permanece como também é determinante na construção da criança. Isto, porque o desenvolvimento das crianças e dos jovens está muito dependente da forma como os adultos se organizam e organizam a sua vida, oferecendo-se estes como os primeiros modelos de identificação a que a criança vai recorrer. Prossegue explicando que estas figuras são posteriormente desdobradas pela vida fora por professores, amigos, médicos, juízes entre outros, e evidencia a ideia da Escola como um lugar de palavra, partilha e reflexão dos tempos que correm e, de como olhar para o contexto do crescimento, se torna fundamental para percebermos o que está a ser feito em termos de liberdade individual.

Acaba levantando questões se as alterações sociais das novas famílias podem, ou não, garantir a necessidade destas primeiras experiências educativas familiares.

 

 

Mesa 3 - Famílias Contemporâneas

 

A mesa começou com uma introdução por parte do moderador, Eurico Figueiredo, que descreveu algumas das mudanças sociais que ocorreram em Portugal entre os anos 1960 e 1990, que apesar de não serem muitas, foram profundas e bastante notórias.

Descreveu sobretudo alterações relativamente à representação da sexualidade e à vivência da sexualidade, bem como às ideias do que se perspectiva sobre uma família (número de filhos, trabalho das mulheres). De seguida falaram os oradores convidados.

 

            José Manuel Almeida e Costa - “Perspectiva Sistémica da Família

 José Manuel Almeida e Costa apresentou de forma provocatória e humorística uma Perspectiva Sistémica da Família.

As provocações começaram com a ideia que a psicologia popular equivale à ideia de "culpa os teus pais", enquanto a psicologia impopular passa por um "culpa-te a ti mesmo". De seguida falou do impacto negativo em terapia do Mito de Procusto, em que o convidado/paciente tinha de ter o tamanho da cama/técnica do terapeuta, caso contrário seria necessário cortar ou esticar o paciente à forma de fazer do terapeuta. Deste modo a terapia seria uma forma de ajustar tudo ao ideal pré-estabelecido.

Por contraste com esta forma de actuar sugeriu a importância de mudança de paradigma ou mudança de crença em terapia, ilustrando a sua ideia com humor. 

 

            Carlos Farate - “Família como conceito organizacional e instituto social; breve ensaio de um “Estudo de caso””

Carlos Farate organizou de modo sistemático a sua apresentação sugerindo o estudo e investigação da família  em sentido alargado, isto é, a Família como sujeitos que partilham um objecto em comum. De seguida, introduziu as ideias de diferentes pensadores psicanalíticos. Começou por Alberto Eiguer, salientando a importância do habitat interior, ou casa internalizada pelo sujeito. Destacou ainda a importância da representação e da identificação, além das necessidades biológicas. 

Salientou depois, que a análise da dinâmica familiar permite perceber a dinâmica dos grupos, apoiando-se no trabalho de Robert Hinshelwood, que vem assinalar a presença de angústia de qualidade psicótica na dinâmica dos grupos, o que molda a forma das interacções entre os elementos do grupo. 

Usando estes conceitos o palestrante terminou propondo um estudo de caso.

 

Na discussão Almeida e Costa vincou a ideia de que todos somos sistémicos, a partir da perspectiva em que existe uma influência entre paciente e analista, um sistema de interacções. O terapeuta contemporâneo lida com pacientes contemporâneos. Existe uma mudança em que surge a multiculturalidade. 

 

 

Mesa 4 - i-families

 

            Nuno Guimarães - “Novas formas de comunicação na Família

Nuno Guimarães apresentou-nos a tecnologia como instrumento para compensar a distância. Também, como forma de partilhar a informação, de aceder a mais informação sobre as pessoas e, ainda, como forma de partilhar sentimentos e afectos.

Falou-nos na tecnologia numa perspectiva antropomórfica, visando a reprodução hiper-realista das interacções humanas. E numa perspectiva de aumento dessas capacidades, pela introdução de artefactos tecnológicos. Mostrou-nos, ainda, que a interacção com máquinas pode ser vista como uma encenação em que humano e máquina representam os seus papéis.

Para aqueles, de entre nós, mais dados a aspectos quantitativos da investigação, o Prof. Nuno Guimarães teve a gentileza de usar o seu tempo para nos resumir e oferecer uma bibliografia, recolhida a partir da sua posição privilegiada, respeitante a temas onde as formas de interacção através das tecnologias, interceptam aspectos que nos são caros enquanto psicanalistas. Por exemplo:

  • Impacto das novas formas de comunicação em casais divorciados e em famílias separadas pelo trabalho ou pela emigração (situação que, desgraçadamente voltou a ser comum no nosso país)

  •  “Computação afectiva”; o uso de novas formas gráficas de comunicar emoções e sentimentos

  • Uso da tecnologia na mediação de conflitos

  • Questões económicas e organizacionais: e-learning, tele-trabalho, tele-medicina.

  • Impacto do tele-trabalho nas famílias

  • Impacto na sexualidade

  • Namoro à distância

  • Aspectos psicológicos dos pilotos de drones (e, aqui, mostra-nos algo que a psicanálise sabe bem: que nem que sempre o que parece é… Tenderíamos a pensar que o piloto de um drone, sentado no Arizona, estaria isolado afectivamente dos seus alvos no outro lado do globo. Contudo, está a vê-los em directo, através de câmaras de alta definição, de uma forma sem precedentes nos campos de batalha modernos).

  • Questões de privacidade envolvidas no uso de sensores remotos de monitorização, por exemplo, de idosos nas suas casas.

           

António Pedro - “Permanecer Ligado

 António Pedro falou-nos sobre ligações e o desejo de as manter. E do que as mantém. Ligações entre quem está e ligações com quem esteve e com quem estará. Das vicissitudes dos meios de manter as ligações. Meios efémeros e meios que deixam rasto. Meios que servem para a ligação no aqui e agora e meios que ligam, também, no tempo. Fotografias e filmes, digitais e analógicos, postais e… sopas de feijão.

Falou-nos sobre o tempo e a distância. Distância no espaço mas também no tempo.

De que muitas imagens se opõem a boas imagens e que as muitas, às vezes, até desaparecem nos buracos negros dos computadores, enquanto as outras ficam à nossa espera em velhas arcas.

Meios de ligação que, quando se desligam, mostram quanto, também, não nos ligam.

A forma generosa como António Pedro nos mostrou tudo isto, dificilmente deixou alguém indiferente. Muitos, seguramente, estarão no seu próximo espectáculo. Ofereceu-nos a intimidade e a humanidade da sua família, com total discrição e bom gosto, sensibilidade e bom senso; nos antípodas da pornografia dos afectos que campeia em muita produção audiovisual. Oferecendo-nos a sensibilidade e o insight do artista com que tanto temos a aprender. Pela minha parte, nunca mais verei as palmas de uma audiência da mesma forma. Algumas serão de circunstância, outras, ensinou-nos António Pedro, são “toques pelo ar”. Foram destas que soaram, longamente, no fim da sua apresentação.

 

Vasco Tavares Santos - Comentário

Com a inteligência, a graça e a erudição (e, também, a francofonia) que lhe reconhecemos o Vasco Santos cozinhou a sua sopa. Oferecendo-nos a leitura e a integração de questões só aparentemente banais, como a do lugar da “geração polegar” ou a questão da virtualização das relações. Para tanto, usando a teoria e a arte como formas de construção/reconhecimento do saber. Da dessacralização operada pela técnica à banalização dos contactos resultante da diminuição do tempo e do esforço para os estabelecer ou interromper – o simples premir de uma tecla, hoje em dia. Do imperialismo das imagens e do seu uso de forma voyeur, não libidinal. Sem perder de vista a tecnologia como forma de comunicar afectos, como já tinha sido salientado pelo primeiro orador.

Revisitámos ainda os mitos de Narciso e de Pigmalião. O espelho e o simulacro. Magia e técnica. A morte e o insuflar da vida.

Finalmente, anuncia-nos que Édipo se finou. Infelizmente ficámos sem tempo para lhe verificar os sinais vitais ou para velá-lo e carpi-lo se for caso para tanto. Em todo o caso, creio, teríamos assunto para pelo menos dúzia e meia de colóquios.

 

 

Mesa 5 - Gerações: Do Neto ao Avô

 

            Maria João Valente Rosa - “Nascer em Portugal não é o que era: factos e tendências

 Maria João Valente Rosa fez-nos uma excelente apresentação do Portugal contemporâneo e de como este Portugal não é o mesmo do Portugal dos anos 60. Portugal é agora um país onde se nasce pouco mas também onde se morre pouco. Nasce-se pouco devido ao aumento de escolaridade feminino e ao planeamento familiar, com a escolha do nascimento dos filhos e as mulheres terem em média 1,28 filhos numa idade média do 1º filho de 30 anos, observando-se no entanto muitas vezes o filho único como “His Majesty the Baby”.

Morre-se pouco devido à grande melhoria dos cuidados de saúde e da qualidade de vida dos seus habitantes, tornando Portugal, num país óptimo para se viver e…morrer!

 

            Raquel Quelhas Lima - “Intergeracional, Transgeracional

Com toda a sua tranquilidade, Raquel Quelhas Lima apresentou-nos através de vinhetas da sua prática clínica uma excelente integração teórico-clínica do pensar psicanalítico sobre a infância e da adolescência, revisitando Freud, Abraham, Lebovici, Stern e Golse entre outros, que nos demoraria aqui….

 

            Luís Simões Ferreira - “Ser avô: uma segunda oportunidade?

Animado entre vários papeis os quais incluem, segundo nos contou, a sua condição recente de avô, Luís Simões Ferreira mostrou-nos o papel do avô no Portugal de hoje, a partir do título do colóquio: Psicanálise e Família num mundo em mudança.

Começou pela mudança no mundo, a angústia do futuro, a partir da mudança na família da sobrevida dos avós. Descreve a principal função de avô como a de historiador, testemunho e transmissor de valores. Reflectiu ainda sobre a existência de dois tipos de avós: os que aproveitam esta idade para pensarem nas suas vidas ao mesmo tempo que apoiam os filhos nas suas vidas com os próprios filhos e, aqueles que se deixam esmagar pelo cuidar dos netos. Em ambos os casos, observou muitas vezes neste cuidar dos netos a uma reparação de feridas antigas na relação com os próprios filhos, alterando assim positivamente as história familiares.

Mas nem tudo são rosas! Questionou-se então a partir da sua prática clínica, de como é que os avós sobreviverão a pensões reduzidas, a filhos desempregados e a netos a sustentar, tendo assim uma visão inquietante dos tempos mais próximos.

Por último, e a partir das 3 pressupostos de Freud sobre o método psicoterapêutico, salientou que a psicanálise tem de mudar na sua prática com crianças e adolescentes dando maior ênfase à investigação e também ao trabalho com as famílias. Acrescentou que este último deverá ser sustentando pela capacidade de pensar de cada um dos elementos do seu conjunto familiar, aspecto fulcral para o bom prognóstico clínico, apesar por vezes do mau prognóstico sócio-económico.

 

O debate foi animado havendo duas ideias opostas entre os comunicadores, a da preocupação e a da não preocupação com o futuro. A Raquel Quelhas Lima salientou a rapidez do mundo de hoje, assunção paradoxal se pensarmos que se por um lado nunca se viveu tão depressa, por outro nunca neste mundo tanto se viveu.

O Jorge Câmara lançou a interessante ideia do bebé prémio, deste bebé tardio de pais envelhecidos já com pouca capacidade de contenção físico-psíquica para meninos e meninas, levando a desajustes na relação pais-filhos e à necessidade de acompanhamento psicoterapêutico.

E o debate continuaria, não fora a necessidade de café…

 

Mesa 6 - Outras Famílias: Monoparentalidades e Homoparentalidades

 

            João Seabra Diniz - “Adopção na Homossexualidade

Na sua rica e complexa comunicação transmitida com toda a inteligência e simplicidade que o caracterizam, João Seabra Diniz , falou-nos nos direitos das crianças e de como a adopção constitui um meio de possibilitar à criança ter uma família, enfatizando ainda a importância do meio afectivo e social para o bom desenvolvimento da criança.

Referiu ainda que os problemas que se colocam em casais homossexuais são diferentes dos que se colocam às famílias heterossexuais, necessitando então estes de uma abordagem diferente. Caberá assim à Psicanálise o papel de investigar e encontrar novas soluções para novos problemas.         

 

            Conceição Tavares de Almeida - “Era uma vez...três! Composições, arquiteturas e narrativas em mono e estereofonias

Conceição Tavares de Almeida, em torno da figura da banda desenhada Wally, pergunta onde está o Wally e o psicanalista dos dias de hoje. A partir da sua prática clínica, mostra-nos como uma criança com toda a sua poesia, nos coloca face a uma série de problemas interessantes relativos às famílias de hoje, às novas famílias, com 2 casas a viver ora com a mãe, ora com o pai, e os desafios clínicos que daqui advêm. Ainda, pergunta qual o lugar da criança de hoje em dia ao sabor do poema do Menino Jesus de Alberto Caeiro, juntamente com a revisitação de alguns dos mitos fundadores da Psicanálise.

 

 

Mesa 7 - Famílias, suas histórias, suas patologias, seus recursos

 

            Rui Horta – “O lugar do corpo na família

Rui Horta, numa comunicação muito viva e envolvente, como já nos habituou, vem trazer-nos uma perspetiva, de uma  sociedade atual cada vez mais descorporizada, onde o corpo é omnipresente precisamente por ser ausente. Para o coreógrafo, a nossa sociedade, que classifica de  mental e de serviços, prescindiu do corpo porque os rituais de sobrevivência não dependem dele. As pessoas só precisam do corpo quando são obrigadas a confrontarem-se com ele, como na doença, quando o perdem, quando precisam dele para a sua sexualidade, quando o têm de o expôr como na praia e aí - ficam transidas de medo. O corpo manifesta-se de forma desequilibrada. E quando se tem de manifestar, tem de ser belíssimo. Salientou também a necessidade do verdadeiro encontro, encontro este muitas vezes dificultado pela quantidade de barreiras que colocamos entre nós. Falou-nos, mostou-nos, e houvera mais tempo consigo muito mais teríamos falado, através da apresentação do seu belo e profundo trabalho, Talk Show, a ideia da família como um espaço privilegiado para que o corpo aprenda a falar e a se expandir, a comunicar o amor, o desejo de reunião, de sair, de estar juntos, de partilhar coisas, de dormir juntos, de ter filhos...enfim!

 

            João Rosas - “Uma  família à volta  de um caixão

De forma espontânea e afetuosa, o cineasta João Rosas partiu da ideia desafiante da ausência de sentido da família como motor para a sua criação pessoal, colocando o conforto dos amigos e a presença dos irmãos e dos meios irmãos no lugar daquela. Ilustrou, de forma tocante, com as suas próprias deambulações e diálogos internos em torno do tema, conduzindo-nos nele como se escutassemos um guião ou olhássemos aquela realidade através da objetiva de uma câmara, operando em diferentes planos.

Apresentou uma curta-metragem de 5min - “Uma família à volta do caixão”- realizada em contexto escolar em Londres em 2006, na qual nos mostrou que à falta de família naquela cidade decidiu-se enfiar num caixão e rodear-se dos amigos para que lhe velassem o corpo, para que estes não o deixassem morrer e, sobretudo, para que lhe permitissem renascer.

Curiosamente foi-nos dando a imaginar que cada curta metragem que vai produzindo representa precisamente um renascimento do indivíduo simultaneamente face ao vazio e ao desejo de  família, de reunião.

Viajou ainda por extratos de dois livros que publicou aos 13 anos através da editora Fenda, que falam de diálogos entre pais e filhos, terminando com a leitura de um parágrafo de contracapa. No fim é ele quem esclarece que este diálogo é dirigido à figura da mãe.

 

            Manuela Fleming - “Tecituras Familiares: Redes e enredos

A comunicação, clara e didática, de Manuela Fleming salientando o olhar sobre a patologia familiar, enriqueceu e complementou do ponto de vista clínico, os trabalhos apresentados pelos anteriores oradores. A psicanalista convidou-nos a pensar a partir deste ângulo, desenvolvendo três ideias-chave.

A primeira prendeu-se com as mudanças ocorridas na Família, muitas vezes vistas como uma ameaça, levantando a questão de estas mudanças poderem ser adaptativas de modo a preservarem o essencial. Ao questionar-se sobre este essencial introduziu a segunda ideia-chave: a família enquanto casa-abrigo, enquanto rede de proteção. Mas ao ser rede também se pode enredar e transformar-se em enredo, entrando aqui na sua terceira ideia chave - família e sua patologias.

Falou-nos como psicanalista, com o olhar privilegiado sobre o mundo interno dos seus pacientes, mas também como terapeuta familiar e investigadora, referindo o trabalho de investigação com famílias de toxicodependentes que deu origem a um dos seus livros - “Família e Toxicodependência”.

 

 

Mesa 8 - Sem Família

 

            Elias Barreto - “Sem abrigo e família

De forma concisa e sucinta,  sem prejuízo da clareza,  bem pelo contrário,  Elias Barreto apresentou a temática dos sem abrigo.  Dificilmente, em tão pouco tempo, poderíamos ter ficado tão bem informados e sensibilizados.  Condensou o saber, adquirido em muitos anos de trabalho de campo e de reflexão teórica com esta população e ofereceu-nos, generosamente, o resultado deste labor. A forma entusiasmada como o fez, os múltiplos exemplos e ilustrações, sobre a forma de pequenas vinhetas, contribuíram para o interesse e a compreensão do tanto de que nos falou e foram bem reveladoras do seu conhecimento e sensibilidade. O carácter profundamente humano da sua exposição tocou a assistência e, como lembrou um colega no debate, a curiosidade empática e respeitosa pelo outro e  o amor ao saber e à verdade, sendo condição, não são  exclusivos dos psicanalistas.

           

Maria Fernanda Alexandre - “Humilhação Narcísica - A sombra do sentimento de exclusão

Com esta comunicação Maria Fernanda Alexandre pretendeu mostrar como o sofrimento, desencadeado pela humilhação narcísica, pode surgir  na sequência de sentimentos dolorosos de exclusão das relações de intimidade. A humilhação narcísica surge como um sentimento vivido, na sequência da consciência da sua exclusão da intimidade das relações de confiança dos elos parentais, das relações de amor, de amizade ou de trabalho. Nesta comunicação assinalou também que, em certas situações ressentidas como humilhantes, podem surgir na clínica, como defesa deste estado mental, formas de triunfo maníaco e de superioridade. Mostrou que todas as separações ou sentimentos de exclusão funcionam como uma ameaça de rutura identitária pondo em evidência as qualidades narcísicas da construção dos elos das ligações precoces.

 

            Ana Marques Lito - “Em torno do lugar de ser e não-ser

Pedir a alguém, que maioritariamente trabalha com famílias e que tem por útil pensar as vicissitudes do humano a partir dos padrões intrincados dos novelos familiares, para falar sobre pessoas sem família pode parecer paradoxal.

Desta provocação amigável se desembaraçou com toda a ligeireza a nossa colega Ana Lito.  

Mais do que lembrar-nos, como os oradores que a precederam, que tal coisa não existe, ou seja, que toda a gente tem uma família, mostrou-nos como se pode estar profundamente só numa família. Algo mais contra-intuitivo como tantas vezes as coisas são no nosso mister. Para tanto, ilustrou, amplamente, a sua apresentação com um caso de terapia familiar em que o que sobressaía era a profunda solidão em que viviam os diferentes elementos da família, cada um com a sua agenda própria, em permanente oposição com os outros membros da família, nos antípodas do que temos como uma família cooperativa onde se partilham afazeres e afectos.

Pena que o tempo não chegasse para um outro exemplo que tinha para nos apresentar, tendo ficado assim, um tanto ironicamente, num certo sentido, uma família sem o nosso abrigo...

 

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